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Desigualdade e indignação


Em diversas partes do mundo, a população parece ter saído da letargia e foi para as ruas para cobrar os mais diversos direitos que lhe era usurpado. Desde a primavera árabe, quando o povo de diversos países do norte da África e do Oriente Médio foi às ruas exigir maior liberdade política e melhores condições de vida, podemos acompanhar outras movimentações similares em diversos países globo à fora: Espanha, Grécia, Portugal, Chile… 

Nesses países, uma grande massa de pessoas decidiu ir às ruas para protestar. O foco não era liberdade política e, sim, uma saída mais humana para a crise que assola sobretudo os países europeus. Na Espanha, o movimento ficou conhecido como os “Indignados”. Milhares de jovens espanhóis indignam-se com a falta de perspectiva de vida, com a iminente retirada de direitos que fazem parte da colcha de programas sociais desde a época do estado de bem-estar social e, principalmente, com a incapacidade dos políticos “tradicionais” de oferecerem alternativas à crise que não fossem as mesmas da velha cartilha do FMI, a saber: benefícios para os banqueiros e a conta alta para o povo pagar.

A resposta mais comum que ouvimos dos liberais para grandes insatisfações populares é a clássica dos tempos de Bill Clinton nos EUA: “É a economia, estúpido”. Certamente, para o caso dos países europeus, a resposta cabe perfeitamente, apesar de algumas singularidades, fundamentalmente no movimento espanhol, que insiste firmemente na tecla da Democracia Participativa. Mas, para o Chile, esta máxima parece não explicar a indignação popular que ocorre no país.

O Chile, então, surge como um exemplo que foge à regra dos “indignados”. O país não esteve no centro da última grande crise econômica mundial, tem crescimento robusto, o melhor IDH da América Latina… mas o que leva a tanta indignação?

Antes de continuar, tenho que fazer uma inconfidência. Eu recebo o ex-blog do Cesar Maia. E leio. Tenho a mania de saber os argumentos contrários aos meus, conhecer o raciocínio dos liberais, até mesmo para ter certeza da minha posição dentro do espectro político. E afirmo que vale à pena, caso você tenha estômago e senso crítico.

Hoje, por exemplo, ele fala sobre os “indignados” brasileiros, que existem, que o movimento dos bombeiros no Rio de Janeiro é uma demonstração da existência e que manifestações como esta tende a acontecer mais vezes. Mais uma vez, eu discordo do ex-prefeito do Rio.

É preciso observar atentamente as diferenças entre os crescimentos do Brasil e do Chile. Este, durante os últimos dez anos, sempre foi apontado como a coqueluche latino-americana pela mídia brasileira. Apesar de ter sido governado por uma aliança de centro-esquerda (Concertación) neste período, o Chile sofreu um longo processo de privatização dos serviços públicos: não há universidade pública gratuita, sistema de saúde universal público e gratuito e, até a Bachelet, nem os velhos tinham direito a uma rede de saúde gratuita. Ou seja, tudo aquilo que os experts da grande mídia tupiniquim sempre defenderam para o Brasil. 

O fato é que este modelo de desenvolvimento econômico aprofundou uma das marcas mais catastróficas que a colonização ibérica deixou para nosso continente: a brutal desigualdade de renda. Segundo estudo feito pelo Instituto de Políticas Públicas da Universidade Diego Portales, 60% dos 17 milhões de chilenos tem renda inferior à renda média de Angola. Já os 20% da ponta mais estreita da pirâmide tem renda similar a de países como Noruega e Dinamarca.

O Brasil, também governado por uma frente de centro-esquerda na última década, viveu processo inverso: aproximou as rendas dos de cima a dos de baixo. Através de políticas públicas de remuneração direta para os mais pobres, aumento real de salário-mínimo e expansão da oferta de micro-crédito, o Brasil viveu um momento único na sua história: os mais ricos tiveram aumento de renda menor do que os mais pobres. Foi o único dos chamados Brics que aliou crescimento à diminuição da desigualdade de renda.

Ainda assim, a desigualdade brasileira é maior que a chilena. Aliás, a nossa é a maior do continente. Entretanto, o brasileiro sente a sua vida melhorar, confia no país e num futuro melhor; enquanto o chileno vê sua condição piorar, sua perspectiva de vida nada animadora, e, por isso, vai às ruas.

Portanto, tendo a ver os movimentos de indignação, como a dos Bombeiros-RJ, como casos isolados. No Brasil, a renda média está em torno de R$1.500,00, porém, nos serviços públicos, notadamente os estaduais, os salários estão muito abaixo deste patamar. Os bombeiros fluminenses recebiam menos de R$900,00; os professores conterrâneos tem salário incial de R$600,00. Aliás, o Rio de Janeiro é famoso pelos pífios salários pagos aos seus servidores, além das péssimas condições de trabalho.

Logo, não basta os frios dados econômicos estarem indo bem, é preciso que o crescimento esteja aliado à melhoria de vida da população. Não é só a economia, estúpido, que define a satisfação popular, mas sim a qualidade de vida da maioria dos cidadãos.

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